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A sensação da incorporação

  • Foto do escritor: Laura Lopes
    Laura Lopes
  • 10 de fev. de 2023
  • 5 min de leitura
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Nasci dentro da espiritualidade, tenho flashs de recordações aonde minha mãe e o meu pai estavam numa festa de Yemoja na praia, uma festa muito linda na ritualística da Umbanda, eu era muito pequena, mas lembro porque minha mãe queria me tirar da roda por conta da chuva que estava forte naquele momento e eu chorava para não me tirarem da roda, eu devia ter uns 4 anos e ficava imitando as pessoas incorporadas, mesmo pequena e sem entendimento exato sobre o que era, eu queria sentir “aquilo” em mim também! Sempre fui fascinada pelos Orixás, quando adolescente eu perguntava pra minha mãe porque eu não incorporava o que eu precisava fazer pra isso acontecer. Ficava me questionando como era, o que eu precisava fazer pra “eles” entrarem no meu corpo!


Foram diversas conversas sobre isso e ela sempre falava que eu precisava ficar tranquila que uma hora ou outra Yemoja iria me “pegar”.

Sim, até meus 14 anos, diziam que eu era filha de Yemoja. Bom, entre meus 15 e 16 anos eu conheci uma Yalorixa de candomblé (Iya Lia de Oxum) através da minha mãe, que na época frequentava o axé dela. Um dia minha mãe combinou de ir lá para ajudar em uma função, a cunhada da Iya Lia ia tomar bori e a avó de santo (Vó Elza de Oxum) da minha mãe naquela época, iria estar nessa função também. Nesse dia eu fiquei em casa, não lembro exatamente o que eu tinha, mas minha mãe disse que eu não estava bem (sim, eu chamei minha mãe pra que ela me ajudasse a recordar os detalhes dessa história, rsrs) e eu preferi ficar em casa porque a função iria ser o final de semana todo.


Sexta-feira cedo minha mãe partir pro axé e eu fiquei limpando a casa, quando foi de tardezinha o telefone tocou e era minha mãe, ela dizia pra eu arrumar minhas roupas de ração e ir pro axé também porque eu iria tomar um bori, foi exatamente assim que ela me comunicou, direta e objetiva. Fiquei em ecstasy, arrumei tudo e fui o mais rápido que eu pude, chegando lá minha mãe e a Iya Lia me explicaram que ela havia jogado búzios e que pra eu melhorar o que estava sentindo, que seria preciso eu passar pelo ritual do bori.

Eu estava ali pro que fosse preciso e concordei, partimos para os ebós, banhos de santo e o esperado bori!


Durante os rituais que antecedem o bori eu já me imaginava incorporada, já estava me vendo naquela situação. Pura e doce ilusão, passei o ritual todo acordada e frustrada porque a minha irmã de barco (no candomblé temos esses termos, quando recolhemos com alguém, a pessoa se torna nosso irmão/irmã de barco) teve o primeiro transe dela durante as cantigas de Yemoja e foi tudo muito lindo. Quando terminou o bori eu pensei: - O que eu estou fazendo aqui!? Juro para vocês, que eu cheguei a pensar que tinha algo de errado comigo, não era possível a minha irmã incorporar e eu não!


Nossa como eu sofri naquela noite, queria chorar e estava com vergonha, me apressei a deitar pra conseguir dormir o mais rápido que eu pudesse afim de não demonstrar para as pessoas o que eu estava sentindo naquele momento.

O sábado foi ARRASTADO, fiquei murcha, calada, tentando não ter contato visual com as pessoas. Nunca dormi tanto na minha vida, era a única coisa que eu podia fazer para me “esconder” das pessoas e daquela situação que me incomodava tanto.


Domingo amanheceu, e eu pensei: - FINALMENTE! Então levantamos, tomamos banho, rezamos e comemos nosso café da manhã e eu só conseguia pensar que em algumas horas eu estaria livre. A Iya Lia chegou na porta do roncó colocou 2 cadeiras, sentou e ficou esperando a mãe de santo dela, a Vó Elza. Ela pediu para que eu e a minha irmã de barco ficássemos de joelho na esteira porque ela iria “levantar” o bori e que começaria o ritual de término. Então a Iya Lia começou a cantar e a louvar os Orixás, naquele momento de joelhos e com a cabeça baixa apoiada na esteira eu tive um turbilhão de sensações, foi uma mistura de questionamentos interno, confusão de pensamentos, uma vontade de gritar, de chorar e de sair correndo, foi exatamente isso que eu tentei fazer, quando tentei me levantar, percebi que eu já não comandava meu corpo, não conseguia falar o que eu estava sentindo, não tinha controle sobre meus olhos, percebi que estava tremendo muito, foi quando eu ouvi a vó Elza falar: - Lia, vamos louvar Oxum, essa menina é de Oxum! ORE YEYE OSUN!

E nesse momento em fração de segundos eu mergulhei nesse misto de sensações de forma profunda, foi como se eu realmente pulasse de cabeça num rio profundo, eu sentia que estava ali, porém, que não estava sozinha, sentia que estava dividindo aquele corpo e que eu não conseguia movimenta-lo por vontade própria.


Que sensação INCRÍVEL, era o que eu conseguia pensar no momento em que fui retomando os movimentos e sentindo as mãos de alguém passando água no meu rosto, era a Vó Elza cuidando de mim e dizendo que Oxum tinha vindo! Eu cai num choro intenso, um choro de desabafo, de alívio e de gratidão, tinha tido a tão esperada “incorporação”.


Vinte anos após esse acontecimento, me encontro estudando sobre a incorporação (possessão) em terras Yoruba e o que eu achei interessante é que para eles o culto ao Orixa não gira em torno da incorporação, sendo até comum muitos devotos não ter transe de Orixa durante o seu caminhar dentro do culto.


O povo Yoruba entende que a possessão é algo muito importante e sagrado, algo raro, que acontece em momentos específicos. Bem como, existem específicos Orixás que não há possessão.


Tenho aprendido com os estudos que o objetivo real dentro do Culto Tradicional é de estreitar uma relação fiel entre o devoto e o Orixá com a finalidade do convívio constante sem uma regra, um padrão ou a exigência de uma possessão, caso ela aconteça, OK, caso não aconteça, OK também.


Agora, imaginem se a Laura de 20 anos atras soubesse disso!? Será que eu estaria preparada? Como será que eu absorveria essas informações? Bom, não dá pra saber, o que eu posso dizer é que agora pra mim, tudo começa a fazer sentido, sinto como se eu saísse do raso e estivesse num mergulho profundo, parecido com o da minha primeira incorporação, mas agora com a diferença que estou acordada e 100% lúcida. É intenso isso tudo, a cada leitura e aprendizado eu fico mais e mais apaixonada pelo culto aos Orixás.


Ire o

Ase


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